O suicídio de uma estudante canadense vítima de bullying coloca em discussão a postura dos jovens na rede e o que a escola pode fazer para evitar cenas como essa
Uma notícia trágica chocou o Canadá no início de outubro. Uma jovem chamada Amanda Todd, de apenas 15 anos de idade, se suicidou após ter sido vítima, durante anos, de agressões feitas por colegas. O motivo dos ataques: aos 12 anos, ela mostrou os seios pela câmera do computador a um desconhecido com quem conversava em uma sala de bate-papo da internet. O homem gravou a cena e a enviou para colegas da estudante, que passaram a maltratá-la.
Acuada, Amanda foi transferida de escola por mais de uma vez e chegou a mudar de cidade. A história, entretanto, repetia-se: as imagens circulavam pela rede e entre os colegas, que perseguiam a adolescente e a atacavam psicológica e até fisicamente. Sem apoio e em depressão, a menina tentou suicídio no início deste ano. Pouco depois, publicou um desabafo final no youtube. Em um vídeo com placas escritas à mão, ela contou em detalhes sua história e tornou público o sofrimento e a solidão que sentia. Cinco semanas depois, a garota foi encontrada morta em seu quarto.
Casos de bullying e outros tipos de violência semelhantes ao que Amanda sofreu, infelizmente, não são novidade. Ameaças e agressões via internet vêm se tornando cada vez mais frequentes e são um alerta para problemas que podem estar sendo minimizados pelos adultos. A prática de humilhar colegas, que já fazia parte do ambiente escolar, agora ultrapassa as salas de aula e ganha proporções cada vez maiores.
Ao mesmo tempo, vídeos desesperados como o da adolescente canadense têm se multiplicado na rede. Se, há algumas décadas, o relato da jovem se limitaria a seu diário pessoal, hoje o grito de socorro é dado na internet, em que bilhões de pessoas podem acessá-lo. Ignorados pelos adultos, que acreditam que “o bullying é coisa de criança”, os estudantes veem na web um canal para compartilhar angústias. Para Marcia Padilha, especialista no uso de tecnologias para a Educação, as redes sociais criaram um novo espaço para a subjetividade. “O jovem expõe seu sofrimento na rede justamente porque não está sendo capaz de lidar com ele nas relações presenciais”, explica.
Esse novo cenário – tanto de agressões quanto de desabafos e pedidos de socorro via web – precisa ser incorporado às preocupações dos educadores. Mesmo não ocorrendo necessariamente dentro das salas de aula, problemas como o de Amanda fazem parte da vida escolar e precisam ser discutidos em um ambiente controlado, no qual um adulto atue como mediador e ajude na resolução dos conflitos.
Enfrentar o bullying, e agora o cyberbullying, não é tarefa simples e pressupõe um trabalho contínuo. Há que se tomar providências para resolver os problemas que surgem e, em paralelo, implementar propostas preventivas voltadas ao fortalecimento das relações interpessoais. Medidas como punir os agressores ou promover palestras sobre as consequências jurídicas dos abusos não são eficientes. “Com essas ações, em vez de educar, tenta-se conter o problema”, explica Telma Vinha, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Abafar os casos e fingir que nada acontece também não é uma alternativa. Os alunos vão comentar o assunto e é importante que a instituição esteja preparada para trazer essa discussão para um ambiente controlado.
Assembleias realizadas regularmente ou até mesmo fóruns de discussão na internet são bons espaços para trabalhar questões de comportamento. O mais importante é que haja sempre alguém responsável por intermediar o debate. “Cabe a esse adulto ouvir os relatos e ajudar para que as relações sejam restauradas. Se ele tiver a intenção de julgar, tomar partido ou punir, os alunos se afastarão cada vez mais”, explica Telma. O objetivo das discussões deve ser o de sempre restaurar as relações. O trabalho, é claro, precisa ser complementado por ações em outras esferas: as famílias e, se necessário, especialistas como psicólogos ou terapeutas também têm um papel importante e devem ser chamados a ajudar.
O importante é olhar com atenção para cada aluno e estar atento aos primeiros sinais. Não se pode deixar que tragédias como a de Amanda Todd se repitam. E, para isso, é necessário um trabalho árduo e contínuo que envolva a comunidade escolar e não minimize os sentimentos e as angústias das crianças e dos jovens. Mais do que “coisa da idade”, o bullying tem se tornado um problema cada vez mais grave e que pede cuidado.