Trabalho infantil, superexposição e incentivo ao consumismo são algumas das ameaças ao desenvolvimento de meninas e meninos
A ampliação do acesso de crianças e adolescentes a celulares, tablets e outras telas portáteis criou uma nova modalidade de trabalho infantil: os youtubers mirins. Nesta atividade, crianças e adolescentes gravam vídeos periodicamente em seus canais no YouTube e são remunerados por fabricantes de produtos para os quais fazem propagandas ou pela própria rede social, devido a anúncios inseridos ao longo do vídeo.
A atividade é prejudicial tanto para a criança ou adolescente que mantém o canal quanto para o público infantojuvenil que assiste. “Nos vídeos de ‘unboxing’ de brinquedos, jogos, roupas e outros produtos, nos quais o youtuber mirim desempacota o item recebido do fabricante e relata por que é tão divertido ter um deles, ocorre claramente trabalho infantil, pois a marca divulga seu produto por meio do depoimento ‘espontâneo’ da celebridade mirim possuidora de canal com milhares de inscritos e curtidas”, explica a especialista em trabalho infantil artístico, Sandra Cavalcante.
Segundo a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), há casos em que o youtuber fornece um código especial de desconto para quem quiser adquirir um item igual no site do fabricante. É comum ainda que meninas e meninos sejam remunerados pelo Google, em decorrência da audiência e inserção de anúncios publicitários antes da exibição dos vídeos. “Neste caso, dicas de brincadeiras, ideias de desafios ou a rotina da criança ou adolescente são apresentadas no vídeo, que não contém merchandising, e a monetização é calculada pelo YouTube considerando o número de visualizações da publicidade pelo público daquele canal’, explica Sandra.
Prejuízos
A advogada do Programa Criança e Consumo do Alana, Livia Cattaruzzi, lista o consumismo e o materialismo, a diminuição de brincadeiras criativas, a obesidade infantil, a erotização precoce, violência e segregação de gênero como algumas consequências da exposição à publicidade infantil.
Quando se trata desse tipo de conteúdo no YouTube, a criança confunde publicidade com conteúdo espontâneo. Muitas vezes, o espectador estabelece uma relação de proximidade com os influenciadores digitais, como se fossem amigos dela. “Isso é facilmente identificado nos comentários das crianças nos vídeos publicados nesses canais, em que informam até dados de telefone e endereço de suas casas”, alerta Livia.
É trabalho infantil!
As crianças e adolescentes que trabalham em canais do YouTube costumam gastar bastante tempo nessa tarefa, o que pode diminuir o período dedicado a outras atividades essenciais nessas faixas etárias, como convivência com familiares e outros de sua idade, atenção aos estudos e atividades extracurriculares como esportes e artes, alerta Sandra Cavalcante.
A superexposição, em alguns casos, com milhares de seguidores e inscritos, pode resultar em casos de assédio, ameaças e bullying. Além disso, a cobrança por perfeição pode ter um efeito devastador na autoestima de uma criança ou adolescente, assim como o fim da fama ou ter de lidar com a perda do anonimato. “Em meu estudo com artistas mirins ficou evidente que a inserção precoce no mundo do trabalho pode distorcer toda a formação do indivíduo, porque até o brincar se torna contextualizado, imerso naquele ambiente profissional no qual o artista mirim convive”, adverte Sandra.
Fonte: Revista Educação.